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A CONVERSA COM O DIABO


Douglas subiu para o ônibus de celular em mãos, encostado no ouvido como que para ouvir baixinho, mas não estava baixo, dava pra se ouvir bem o seu “funk” tocando com aquela batida irritante e sempre um cantor com voz de puberdade.

Encostou seu cartão no leitor e passou pela roleta, se sentando ao lado de um senhor de chapéu enfiado na cabeça baixa, que parecia estar cochilando ate aquele momento.

Boas partes das pessoas no ônibus olhavam de canto de olho e se incomodavam, mas não o suficiente para protestar contra a música porcaria do celular de Douglas, até o senhor cochilante levantar vagarosamente a cabeça em direção de Douglas e com uma voz sussurrante e embargada:

- sabe guri, eu gosto de gente do seu tipo, gosto de verdade, eu lido todo santo dia com seu tipo de gente, garotos, homens, mulheres e até crianças petulantes que desrespeitam tudo e todos ao seu redor, mas vamos conversar mais abertamente?

Douglas abaixou devagar o celular e com o coração acelerado olhou em volta, todos no ônibus estavam diferentes, as pessoas estavam com os olhos negros por completo, não havia pupila, não havia Iris, só avia o preto brilhante nos olhos:

- Fique calmo Douglas, não vão te fazer mal a não ser que eu assim ordene. Esses não são mais seres humanos comuns, são agora todos representantes do sentimento, alguns de ódio, outros de luxúria, mas todos vendo agora você em destaque do meu lado.

- Não sei quem é você tiozinho, mas não to gostando da brincadeira, para senão a chapa esquenta pro seu lado, seu maluco!

Douglas se levantou e se dirigiu a um banco vazio mais para o fundo do ônibus, ao sentar, o velho de chapéu estava novamente ao seu lado:

-Não tem muito o que fazer seu merdinha, então é melhor relaxar e curtir a viagem e a conversa, já ciente de que não te dei outra opção, VAI ME OUVIR E VAI BALANÇAR A CABEÇA SE SIM OU SE NÃO SE NÃO CONSEGUIR FALAR, VOCE ME ENTENDEU DOUGLAS? O homem de chapéu gritou com a voz esganiçada com fogo em seus olhos e o odor do enxofre tomou conta do ônibus assim como uma nevoa sinistra que quase bloqueava por total a luz e a paisagem fora, enquanto Douglas se encolhia no banco apenas meneando que sim com sua cabeça.

-Que bom, assim podemos ter uma conversa civilizada, meu nome é Mefisto, e a essa altura você já deve saber o que eu sou claramente.

-Douglas acenou com outro sim.

-Que bom, eu lidei com o Blues, com o rock and Roll e até mesmo com o funk, mas com o funk original, não essa porcaria que você ouve e chama de funk tendo o nome roubado de uma de minhas obras, e é aí que entra nosso dilema, pequeno mortal de cabeça vazia, isso, essa coisa que você ouve não é funk entende? É outra coisa que estão atribuindo a mim, e é isso que esta irritando meus pupilos, eles acham absurdo fazer ligação a mim com essa musica, eu sou culpado de muitas coisas, mas desse tal funk, esse não, o diabo não suporta ser acusado de uma merda a qual não fez.

Douglas tremia, suava frio e sua respiração era agonizante, seu coração batia em descompasso enquanto tentava imaginar o que estava acontecendo ali.

-O senhor quer que eu pare? Eu parei, não vou ouvir mais funk alto no busão, eu juro!

-Não é bem isso, sabe, Douglas, hoje eu vim pessoalmente porque eu tinha que vir, quantas pessoas tem no seu histórico que você falou mal por causa da sua musica ruim, em quantas pessoas você bateu covardemente junto com seus parças por causa da falta de gosto no lixo que você ouve, alguém tinha que fazer ou dizer algo, então eu tive que vir ter essa conversa gostosa com você.

O tempo parecia ter parado para Douglas que mesmo assustado não conseguia se mexer ou gritar olhando para o rosto de olhos esbugalhados daquele senhor que ele sabia bem quem era, mas se negava a acreditar, o Diabo em pessoa estava ali, parado, sentado ao seu lado.

Hoje você se levantou e preparou sua musica Douglas, saiu pra rua e foi para ponto de ônibus, entrou aqui com sua musica alta e seu jeito imponente de porcaria nenhuma que você é, um garoto folgado que desrespeita a todos que não concordam com você, eu gosto disso, eu gosto muito disso, posso dizer que fiquei muito fã seu meu querido, até tinha uma foto sua pendurada ao lado da do Adolf, mas meus filhos acharam desaforo você, logo você, logo um merdinha que não fez nada de importante na vida, eu sei o que você esta pensando Douglas, você quer levantar e descer do ônibus e nunca mais me ver na vida, mas eu vou te contar o que vai acontecer seu merdinha, você pode espernear, gritar e até cagar nas calças, mas não vai sair daqui a menos que eu me compadeça e permita... e adivinha? Eu sou o diabo, não me compadeço de você, não me compadeço de ninguém, mas sinto a raiva e a injustiça do mundo, toda vez que um funkeiro diz que gosta de funk ele mente, ele gosta é de fornicação, de putaria e bagunça, o tchu tchu tcha não serve pra nada alem de esquemas entre novinhas e novinhos, contrario do funk raiz, o funk original, o que originou do blues, você deve estar pensando em como uma musiquinha inofensiva te fez ter uma conversa com o diabo, bem, eu estava lá quieto sem fazer nada, entediado, acusado de tantas coisas nessa terra que nem sei direito o que sou culpado de verdade, então senti o repudio das pessoas nesse ônibus, você Douglas, fez acordar neles a raiva de todas as pessoas que não descobriram o fone de ouvido, isso desencadeia muitas coisas, cada uma dessas pessoas estão agora mesmo mandando mensagens aos amigos e parentes reclamando de vocês merdinhas, essa onda ficou enorme em minutos, agora eu sinto a raiva de quem nem te conhece mas te detesta, entendeu?

Douglas balançou a cabeça em sinal negativo, suando e tremendo arrependido de tudo até ali.

Estava prometendo a si mesmo que nunca mais ouviria funk, pelo menos não sem um fone de ouvido ou sem a conceição de quem estivesse envolvido e também gostasse disso:

-Pois é Douglas, eu na verdade só vim te avisar, nas próximas paradas esse ônibus vai bater em um carro que por ironia será conduzido por outro tipo de animal, um cara que só gosta de outro tipo de musica, tal de sofrência, e que assim como você também gosta de obrigar as pessoas a ouvirem a sua porcaria, e você vai ser encaminhado ao hospital em estado grave, vai quebrar costelas, vai perfurar o pulmão e vai por uma semana agonizar até que minha tia venha lhe buscar, você já deve saber quem é a minha tia não é?

Mefisto disse essas palavras com ódio no olhar, mas ao final deu um sorriso que gelou a espinha do garoto, ele tinha namorada, mãe, amigos e nunca pensou que sua musica ruim prejudicaria tanto seus relacionamentos ao ponto de ser chamado de maloqueiro e vagabundo por pessoas tão próximas a ele, Douglas só pensava em como iria mudar caso escapasse daquilo, como ia respeitar sua amada e sua genitora assim como tentar convencer os “parças” de que estavam indo pro lado errado, ele só queria se arrepender:

Pois é meu querido Douglas, a conversa esta ótima, mas eu preciso ir, você sabe como é, lugares para ir, almas para torturar, vou te dar uma chance meu querido Douglas, desça na próxima parada e se arrependa, talvez papai se compadeça de ti e te salve desse cruel destino. Te vejo por ai.

O Diabo, assim como apareceu, sumiu. Ao voltar a si, Douglas viu que todos olhavam para ele, sem pensar duas vezes se levantou e deu sinal de parada afoito, ao caminhar para a porta de traz do ônibus Douglas se segurou em um ferro de apoio por causa da freada brusca do motorista que não evitou a colisão com um uno que vinha na contra mão com o porta malas aberto com um potente equipamento de som que junto com Douglas que transpassou a janela dos fundos do coletivo se misturou a corpos e a pessoas gritando em pânico correndo para o local do acidente, na calçada o nosso senhor apareceu ao lado de uma senhora, que suplicava a clemência do senhor, e sorrindo disse:

-Não adianta minha senhora, a vontade de Deus se fez... Ele não se compadeceu.

- FIM -

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