BLITZ DA MADRUGADA
Quando o cara estendeu o dedo em sinal de parada, às duas da madrugada, alguns pontos antes da ponte do Brás, Antonio, o motorista, pensou por um breve instante em ignorar e continuar sua viagem sem passageiros, se não fosse por Dona Claudia, que estava voltando de sua feira no Parque Dom Pedro II, aonde ia semanalmente para poder fazer sua renda extra para ajudar a família que passava por momentos complicados, por seu marido ter se desempregado e por seu filho não querer saber de trabalho, ou de outra coisa da vida, senão seus “rolêzinhos” com os “parças”.
Antonio parou, e por um breve tempo sem abrir a porta mediu o sujeito dos pés a cabeça, pensando em onde estava à faca ou o cano no corpo ou qual seria a desculpa para pedir aquela caroninha camarada.
O rapaz subiu meneando com a cabeça uma boa noite que Antonio respondeu igual, enquanto se benzia mentalmente pensando na patroa que estava em casa sossegada, sem imaginar nada, já que há vinte anos seu marido trabalhava para aquela companhia e há quatro meses estava naquela linha nova, que era sossegada por não fazer transito e por carregar poucos passageiros, diferente da sua linha antiga que ligava o centro da cidade a zona sul e ia com o ônibus abarrotado de passageiros que se penduravam na porta para chegarem no horário em seus empregos.
O rapaz estendeu ao cobrador uma nota de cinco reais e após receber suas moedas de troco passou a catraca, e olhando de cabeça baixa passou por dona Claudia que lhe deu um sorrisinho desconfortável e sem graça, passou por ela e se encaminhou para o fundo do carro e se sentou meio escondido no ultimo acento, oposto ao acento da porta de trás.
Quando o ônibus passou pela Celso Garcia o rapaz se levantou e sinalizou para descer, Antonio o mirou pelo espelho retrovisor, quando olhou para frente, pouco metro antes do ponto de parada se deparou com um policial em uma blitz acenando para que ele encostasse e se aproximou da janela do motorista:
- Boa noite camarada, percebeu que seu farol esquerdo está queimado?
-Boa noite policia, eu sabia sim, faz uns dias que pedi pra arrumarem isso, mas cê sabe como são as garagens, acho que nem me ouviram direito, e se ouviram é bem capaz de me cobrarem o prejú, então fiquei na minha.
Nesse momento o rapaz que estava aguardando para descer soltou aquele “pode abrir aqui motô”? Que chamou a atenção do cobrador, da dona Claudia, do motorista e do policial que na mesma hora acenou para seu parceiro a porta em que o rapaz estava.
O outro policial foi com calma até a porta de trás do ônibus e acenou para o motorista abri La, não deu tempo, em segundos o rapaz pulou em cima de dona Claudia lhe colocando um revolver em sua cabeça e já foi logo anunciando:
- Eu só quero passar na moral sangue bom, a tia aqui morre se cê abrir essa porta e ainda mato seu cobrador se tu não rasgá com esse busão daqui agora, não volto pra cana nem morto, mas se for isso memu eu to pronto pra morrer e levo-a e esse maluco junto, demorô motô, anda, anda, anda!
Por impulso o motorista saiu com o ônibus derrubando o policial da porta de trás e o parceiro que estava na janela conversando com ele.
Desesperado sem saber o que fazer, Antonio saiu dirigindo rua a fora, as viaturas da blitz foram rápidas em atender a perseguição e foram mais rápidas ainda em fechar Antonio que não fez muito esforço para se render e provando que era um senhor motorista parou com seu Volvo na calçada rente a um muro deixando apenas um lado tanto pra fuga como pra acesso ao veiculo, e assim começaram as negociações...
- O bagúio é o seguinte rato, sai da frente, deixa nóis seguir viagem e sai todo mundo de boa, leva uma e vai rolar sangue pra todo lado, to aqui pra morrer e pra matar, tenho nada a perdê ta ligado!
Cleber era um rapaz de vida dura, começou no crime cedo mais por necessidade do que por qualquer outra coisa, já estava a um bom tempo nessa vida e se mostrava indisposto a troca La por uma honesta que era o desejo de sua avó que o criara e colocava seu nome toda santa semana nos pedidos da igreja pra que Deus desse um jeito na vida de seu neto e o trouxesse pra vida cristã, mas Cleber queria usar seus bagulhos, tomar seus gorós e curtir o fluxo com seus parças e as mina, e isso exigia certa quantia que era mais rápido de se conseguir assaltando mercadinhos e outros comércios pequenos pela cidade, mas no boteco por vacilo de um herói ele teve que atirar.
- O que tinha na cabeça do tiuzinho pra pular na frente do meu cano, ou era ele ou era eu. Agora a merda já estava feita.
Então o sargento Soares começou as negociações:
- Seguinte rapaz, larga a arma, sai numa boa e a nós aliviamos pra você, ninguém quer mais mortes aqui, ta todo mundo querendo ir pra casa e ainda da pra fazer isso, é só ser esperto que você vai ver que vai acabar tudo bem, acabou aqui, a casa caiu. João Roberto Soares da Costa era um policial de cinquenta e dois anos que ao longo de sua carreira fez sua fama de linha dura, e honesta por incrível que pareça, e naquele momento ele estava com seu contingente e uma arma apontada pra um moleque que era a cara do seu filho do meio, o homem de coração mole não podia vacilar na frente de seus homens, esse merdinha tinha que ser a cara do Rafinha?
Em minutos o ônibus do seu Antonio estava cercado por viaturas e curiosos, seu Antonio ria na mente, ironicamente sua esposa tinha lhe mandado uma mensagem:
- Tonho, quando chegar pega dentro das micro-ondas o seu prato ta bom, fiz aquela lasanha que tu gosta, tenta não fazer barulho, a Julhinha custou pra pegar no sono.
Era ultima viagem dele, ele olhou para o retrovisor em cima da sua cabeça e viu o cobrador tremendo sentado na sua cadeira, Juca era novo na linha e na empresa, tinha vinte e dois anos e queria juntar dinheiro pra comprar sua primeira moto pra levar sua namorada pra praia que apesar de estar quase se borrando de medo ainda sim pensava nela:
- Ai meu Deus do céu, sou novo pra morrer, se eu morro minha mina foca com aquele urubu que vive cercando ela dizendo que eu sou pé rapado, playboy mimado, não tem que ralar pra ter nada, e ainda quer a minha mina, me ajuda meu Deus, não deixa eu morrer.
Dona Claudia estava apavorada, medo enorme de levar uma bala perdida ou achada, o revolver calibre trinta e oito em seu rosto era gelado, e pra ajudar a mão que segurava tremia muito, e a cara do rapaz era de quem não estava brincando:
- Se esse bandido atirar eu to morta, eu só queria ter terminado a novela, semana que vem é a ultima semana e eu queria tanto saber quem ia ficar com a Carlinha, e eu aqui, na mão desse bandido, ele vai me matar.
- Eu mato eim, eu mato a tiazinha aqui, vaza vocês tudo que eu alivio a barra, a vida dela ta na mão de vocês.
Enquanto gritava, Cleber não viu que um policial se aproximava pela frente do ônibus, a luz forte do refletor de uma viatura cegava, a adrenalina não deixava raciocinar direito e o cano da pistola que disparou em sua direção não tremia, era uma mão experiente, era a mão do soldado Romão, que se orgulhava de matar bandido, bandido bom é bandido morto, amanha vou ser herói.
O pensamento de todos era de alivio, Antonio ia pra casa comer sua lasanha, Juca não ia perder sua namorada pra um rapaz de vida boa, Dona Claudia ia enfim ver que ia ficar com Carlinha, a avó de Cleber não ia mais se preocupar com a vida do neto a pesar da tristeza em seu coração ser enorme, acabou os rolezinhos de Cleber, e minha Nossa Senhora, como esse garoto era parecido com o Rafinha.
- FIM -